O que pôr na legenda?

O movimento de retorno à então vida ‘normal’ que o mundo vem apresentando recentemente, isso incumbido a redução do número de casos de covid-19 e o aumento da adesão da vacina contra a doença, se apresentou para Felipe como uma oportunidade para retomar algumas questões que tinha como interesse anteriormente. Há duas semanas ele retornou a vida de estudante universitário. Vida essa que já foi duramente criticada, por ele mesmo, enquanto cursava jornalismo, agora, lhe causou uma estranha ansiedade às vésperas do retorno.
Era uma quarta-feira comum, como qualquer outra, dessas que ele tem que cumprir com suas obrigatoriedades profissionais e a noite estar presente na sala de aula, como aconteceu por mais da metade do período de sua primeira formação. Antes de sair de casa e dar início ao percurso para a universidade, ele se encaminhou até seu quarto para apanhar sua mochila. Nesse momento, Felipe ficou cara a cara com a pessoa que vem sendo construída fortemente nos últimos anos. O reflexo do espelho lhe fez perceber que aquele homem parado no meio do quarto de um apartamento alugado não era mais o mesmo adolescente que ia para a aula na moto emprestada do pai.
Hoje, inclusive, ele tem até um carro, mas prefere caminhar. Felipe tem a sorte de morar a uns dez minutos da universidade, e no momento crítico em que vivem os motoristas brasileiros a melhor opção é sempre deixar o carro na garagem.
Durante os ligeiros segundos em que passou encarando aquele homem trajado com uma belíssima camisa tricolor, o cabelo grande e a barba por fazer debaixo da máscara, ele teve novamente a epifania que toda criatura pensante tem com a chegada da maioridade. No entanto, a primeira percepção que temos de que a nossa realidade está mudando, se dá unicamente pela mudança na idade, os tão esperados dezoito anos nos tornam, legalmente, adultos, mas o que de fato efetiva essa transição são as responsabilidades adquiridas a partir da chegada dessa idade.
O trabalho, a rotina, a vida a dois, as escolhas, as conversas, os boletos, as decisões, as compras. Pode-se listar inúmeras situações que são submetidas a modificações com o acúmulo de responsabilidades vindos com a vida adulta, quer queiramos ou não, elas se modificam. Justamente essas modificações nas coisas que estão ao redor das pessoas, são o que as acarreta a maturidade. Felipe acredita nisso, analisando as realidades à sua frente. Em sua família ele vê duas filhas com diferença na idade de menos de um ano, ambas com a mesma criação, pelos mesmos pais, atualmente passando pelos mesmos momentos da adolescência, mas claramente uma amadureceu mais que a outra devido a modificação de responsabilidades atribuídas a essa e a outra não.
Isto posto, Felipe retorna a seu ligeiro devaneio a frente de seu reflexo. Rapidamente lhe vem à mente a ideia de fazer uma foto, inicialmente para registrar sua indumentária despojada para a aula, a qual novamente destaca-se, uma belíssima camisa tricolor. Naquele momento lhe veio a ideia de fazer o registro para publicar em redes sociais, coisa que raramente acontece — porém, fotos de ruas e coisas totalmente aleatórias encontram-se aos montes.
Na caminhada para a aula, após despedir-se de sua companheira que ia para uma academia próxima da sua casa, a foto lhe voltou à mente, acompanhada de uma questão existencial que todo usuário de rede social enfrenta corriqueiramente.
O que eu ponho na legenda? — Pensou ele enquanto caminhava.
Pensou em destacar o time com o brasão estampado no peito da camisa, mas ao mesmo tempo considerou realçar o motivo pelo qual ele estava naquela fotografia. No final das contas, nada decidiu e nem publicou sua foto. Mas se entrar em seu perfil, verá a foto aleatória de uma caneta sobre seu caderno.
Esse é o primeiro texto da série de crônicas: “O jovem homem do mundo moderno”, onde pretendo discorrer sobre episódios cotidianos que intercorrem na vida de Felipe, e na de muitos outros, enquanto um jovem homem neste mundo de modernidades.
Texto publicado no Medium
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