O que estava a lhe esperar

Para a nova rotina de Felipe, a segunda-feira é um ponto fora da curva. Durante os outros dias, ele tem as obrigações profissionais a cumprir, e em seguida dedica-se à universidade. Na segunda, pelo menos neste semestre, não está matriculado em nenhuma disciplina, mas isso não foi sua escolha, até houve a tentativa de encaixar uma opcional, uma fora da grade, até mesmo uma disciplina de outro semestre, mas não teve jeito, ao fechar sua carga horária mínima para o semestre, o sistema da universidade não lhe permitiu matricula-se em nenhuma outra disciplina.
Nas segundas, antes do início das aulas, ele já destinava-se a um momento para cuidar da saúde e praticar atividades físicas — falando assim, até confunde-se com um atleta. Uma parte do pessoal de seu trabalho tem um horário fixo na quadra poliesportiva mais famosa da cidade. Felipe não está há muito tempo no seu emprego atual, por isso, foi necessário esperar ser convidado, o que, ao acontecer, se fez de surpreso, mesmo já sabendo da existência desse jogo.
Há uns dois meses ele foi então convidado, e sempre que podia se fazia presente. No entanto, mesmo antes do início das aulas, sua rotina era bastante corrida e isso dificultava sua ida. Ao sair do trabalho, Felipe busca sua namorada — que trabalha literalmente no outro lado da cidade. Apesar de não morarem em nenhuma metrópole, eles gastam uns bons minutos em todo esse trajeto. Todo esse tempo gasto lhe rende um breve intervalo para se alimentar e pegar seu tênis — aliás, o horário em questão é para futsal, esporte no qual Felipe tem muito apreço.
Ah, mas eu posso chegar um pouco atrasado! — Pensava ele durante o dia nas segundas.
Até poderia, mas a impressão que estaria transmitindo aos seus novos colegas, e principalmente aos que estava construindo uma amizade, seria de desprezo ao horário, que como é de conhecimento por todos é terrivelmente difícil de se conseguir. Essa não era a impressão que ele queria passar. Com isso, Felipe prefere se ausentar e informar-lhes que não teve como ir, do que chegar com os jogos já em andamento. Quando era mais novo a pontualidade nunca foi o seu ponto forte, mas como tudo na vida está em constante mudança, hoje ele preza muito por isso.
Devido a esse pouco tempo que lhe restava entre a chegada em casa e ida para o jogo, em muitos momentos teve, de fato, a inviabilidade de se fazer presente em razão de trabalhos pendentes que acabava levando para fora do expediente. Foi então que sua ausência nesse momento esportivo do pessoal de seu trabalho se tornou definitiva.
Há umas três semanas ele ouviu seu pai comentando com outras pessoas de sua família acerca de um jogo a qual eles foram convidados há alguns meses, onde, segundo seu pai, já havia mencionado seu nome. Os organizadores não consideravam lhe incluir, pois a ‘lista’ já estava mais que cheia. A oportunidade de participar surgiu quando alguns dos que estavam na então lista comunicaram a necessidade de se ausentar. Foi então que o convidaram-no.
Na semana seguinte Felipe foi pela primeira vez jogar com esse pessoal novo. As novidades sempre causam uma sensação interessante, apesar de não ser nenhum atleta, ele já jogou muitas vezes, e em muitas dessas vezes com pessoas que nunca tinha visto antes, assim como nunca as veria novamente. Porém, sempre que algo novo está prestes a acontecer, mesmo que comum, aquele famigerado frio na barriga aparece.
Na segunda pela manhã lhe adicionaram ao grupo do jogo no aplicativo de mensagem, como se já não bastasse os demasiados grupos de seu trabalho, mas um para a conta. É perceptível um movimento que acontece pelos organizadores de jogos amadores, algo mencionado anteriormente, a afamada lista. O que basicamente é a manifestação do interesse e disponibilidade, por parte de cada um, em se fazer presente no jogo naquele dia em questão. A lógica é simples, se você vai, ponha seu nome.
Já era quase meio-dia quando ele foi inserido no grupo, a lista já estava pela metade, e como entrou depois não pôde ver as mensagens anteriores. Foi então que uma outra pessoa a enviou com seu nome. Felipe encontrou os nomes do seu pai e de outra pessoa conhecida, e tratou logo de pôr rapidamente seu nome, analisando que já estava quase sem vagas disponíveis.

Ok, hoje eu vou! Mas e meu tênis? — Falou consigo mesmo alguns minutos depois.
Após atualizar a lista com seu nome, lembrou-se que há alguns dias houve um trágico acidente com seu tênis. Frajola, sua adorada gata mais nova, é um lindo animal de estimação. De pelos brancos com machas pretas, o que explica seu nome, porém, a pequena gata possui em seu interior um enorme furacão. Pobre, Dafne, não deve saber qual sentimento predomina seu coraçãozinho, amá-los por terem lhe resgatado da rua ou odeia-los por terem lhe dado Frajola como irmã? — é possível que ela faça essa pergunta a si mesma durante todo o período em que eles estão fora.
Isto posto, retornemos ao motivo pelo qual Felipe lembrou disso. Há alguns dias Sabina lhe trouxe a trágica notícia de que havia ocorrido uma tentativa de homicídio por afogamento contra seu tênis, e a meliante encontrava-se no local do crime, diga-se de passagem com a cara mais deslavada possível, segundo relatos. O tênis em questão já está quase dando seu adeus às quadras, mas ainda resistiria a alguns jogos. Felipe, sem imaginar que fosse precisar dele num futuro próximo, fez pouco caso da situação e o deixou encostado, na tentativa de esquecer o sinistro. Todo o episódio veio à tona novamente após perceber que o tênis estava inutilizado por ainda estar molhado.
Para sua sorte, Sabrina havia lhe comunicado que na volta para casa eles passariam pelo shopping para resolver umas pendências dela. Felipe então aproveitou e foi às lojas de sapatos para comprar um novo, embora ainda fosse possível usar o seu antigo, ele preferiu comprar outro para poder ter opções em caso de novos incidentes felinos. Ao concluir o que tínhamos para fazer, foram para casa. Como mencionado anteriormente, o jogo do pessoal do seu trabalho se tornou inviável para mim devido o horário, este em questão é bem mais acessível, tendo em vista que se inicia no horário em que normalmente Felipe e Sabrina já estão com todas as portas trancadas e prontos para dormir.
Com o decorrer da noite, ao se aproximar do horário do jogo, ele foi até a casa do seu pai, de onde sairiam juntos. Ao chegar na quadra, ele percebeu que conhecia mais pessoas do que imaginava. O jogo correu muito bem, apesar do tênis novo apertar com tamanha intensidade os seus dedos. Ao final do horário destinado, muitos ainda tinham fôlego para continuar. A decisão então foi ir para um campo próximo a quadra, que não estava sendo utilizado, como foi observado por alguns. Foram então, e o horário que já passava do comum para ele, se estendeu ainda mais. Apesar de já adulto, não é de seu costume chegar em casa depois das dez, principalmente em uma segunda-feira.
Pois bem, já passava das onze quando Felipe chegou em sua casa. Havia corrido mais do que em todos os jogos em que frequentou nos últimos anos. Saber que estava diante de sua casa, onde iria de imediato para o banheiro tomar um belo banho e deitar-se, aliviava bastante a sensação de cansaço nas pernas. Mas a vida não é perfeita. No domingo à noite, Sabrina havia lhe avisado que ele estava encarregado da louça na segunda, tendo em vista que durante os demais dias em que ele está em aula, ela é quem cuida disso. Claramente, uma informação na qual foi esquecida completamente.
Muitas figuras masculinas, imprimindo pensamentos de uma masculinidade tóxica defendem que ao voltar do futebol a mulher deve esperar-lhe em casa, independente do horário. O que estava a lhe esperar era uma pilha de louça suja, esponja e sabão. Foi esse o recado implícito que ele encontrou assim que cruzou a entrada de casa. Naquela noite, Felipe foi dormir depois da meia-noite, mas no fim, com uma estonteante felicidade naquele momento em saber que conseguiu lavar toda a louça sem que Sabrina ao menos mexesse na cama.
Esse é o segundo texto da série de crônicas: “O jovem homem do mundo moderno”, onde pretendo discorrer sobre episódios cotidianos que intercorrem na vida de Felipe, e na de muitos outros, enquanto um jovem homem neste mundo de modernidades. Textos publicados: O que eu ponho na legenda?
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